Como expor o meu corpo nu é um ato de saúde mental e político

Iran Giusti
4 min readAug 17, 2018

Não sei bem quando começou o interesse por projetos de fotografia de pessoas nuas, mas lembro quando decidir criar um. Ele se chamava "Nenhuma Nudez Será Castigada", uma afronta bem superficial e pedante eu sei. Tinha lá meus vinte e pouquinhos anos e reuni fotógrafos, fotografas, amigos, amigas, conhecidos e conhecidas e completos e completas estranhas para posarem sem roupa.

A ideia era acabar com o desconforto de ver projetos de nu compostos basicamente de corpos torneados, seios empinados e pintos gigantescos. Quando os projetos eram sobre "corpos reais" nada remetiam à sexo.

Por isso o NNSC tinham sempre um roteirozinho, algo que o ou a modelo considerava sexy. E olha, saíram ensaios lindos e reações mais que inesperadas daqueles clicks.

O conteúdo que viraria um livro e uma exposição nunca foi publicado completamente e nem tenho vontade de faze-lo. Os ensaios cumpriram seu papel sem precisar serem expostos.

A questão é que eu não sentia vontade ou desejo de posar nu, mas como poderia convencer as pessoas a participar se eu mesmo não me desnudasse? A parte boa é que acabou sendo uma experiência realmente foda, tanto que mesmo tendo se passado tantos anos ainda é uma coisa que me move e gera reflexão.

Pouco tempo antes das fotos eu tinha emagrecido muito, e meu corpo estava voltando a ser como é e sempre foi. As fotos em si, apesar de um apelo mais sexualizado nada tiveram de erótico e foram na verdade uma ferramenta realmente importante para entender meu corpo.

Percebi pela primeira vez beleza nas minhas formas, tive dimensão real do meu corpo e lembro que fiquei muito triste pela minha bunda ser menos empinada do que eu achava. Hoje, mesmo com as câmeras de celular e nudes não consigo visualizar o que vi naquele dia.

Na mesma data do ensaio, posei para Julia Rodrigues, em um dos retratos que mais amo. Nele me vi forte, afrontoso, rechunchudo, feliz e muito sexual, ainda que sem a genital aparente.

Retrato Júlia Rodrigues.

Nesse meio tempo muito outros projetos surgiram e fotógrafos acabaram focando o trabalho em nus. Alguns que eu curto, outros nem tanto. Mas dois deles me chamaram a atenção: o primeiro deles do Fábio da Motta, hipersexualizado, o fotografo é muito gráfico com direito literalmente à dedo no cu e gritaria. Dentre suas práticas preferidas está o shibari, técnica de amarração do corpo, bastante comum em práticas BDSM.

De novo pouco houve de sexual no ensaio em si e a surpresa não veio nem da parte da amarração, algo que me relacionei e ainda me relaciono única e exclusivamente pela estética, e sim pelos olhos vendados e a forma que meu corpo reagiu à clausura. Tapando os olhos e amarrando o peito o corpo suou, o coração disparou e parte desse corpo gordo passaram a ser sentidas.

O lance é que o Instagram do Fábio é recheado de corpos magros e torneados e as minhas fotos receberam uma centena de comentários falando sobre como era legal ver um corpo gordo ali. Durante a sessão o fotografo me confessou que apesar de fazer muitos ensaios de pessoas gordas, elas não autorizam a postagem, grande parte por medo de julgamentos.

Notei então que existem algumas formas da gente explorar os nossos corpos e fechei em três frentes principais: no campo espiritual (em especial por meio de práticas holísticas), no campo do feitiche (em práticas de BDSM, por exemplo), e por fim no campo das práticas atléticas. O lance é que não sou uma pessoa espiritualizada, não curto BDSM e muito menos esportes, e foi por meio da arte que passei a explorar e entender meu corpo.

Foi modelando, posando, vendo as fotos e assimilando opiniões que percebi o que meu corpo significa, que notei que não importa quantos anos eu tenha, existem partes desse corpo a ser explorado e descoberto, que pelo nosso momento histórico e social não nos preocupamos em entender e viver esse corpo. Estamos constantemente trabalhando para que esse corpo seja outra coisa.

Aí chegamos ao Chicos, projeto dos queridos Rodrigo Ladeira e Fábio Lamounier que meio que completou um ciclo. Zero sexualizado tanto no ensaio quanto no resultado foi muito mais um processo de entendimento do espaço que ocupo. O ensaio é sobre o meu corpo mas também sobre a casa que habito e projeto que toco. Falo com frequência sobre como a Casa 1 é um projeto de verdade, transparente e cheio de falhas e acertos e posar despido nesse lugar me fez, assim como aconteceu com o meu corpo, perceber esse espaço e efetivamente vive-lo.

Ensaio para o projeto Chicos

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